Jornal O Norte (Pb), 12 de junho de 1914
A Situação dos
Funcionários Públicos Vitalícios Perante as Reformas Politicas e
Administrativas.
Em
sua última sessão extraordinária o Supremo Tribunal Federal julgou o recurso
extraordinário interposto por Serafim Tolentino Freire Chaves da sentença do
Superior Tribunal do Ceará, que confirmara a decisão da primeira instancia,
mantendo a improcedência de ação.
Dada
a palavra ao Sr. Ministro Pedro Mobielli, relator da causa, expôs esse magistrado
a questão: “O recorrente desde 1874 exerce no termo do Limoeiro, Estado do
Ceará, as funções vitalícias de tabelião do judicial e notas, escrivão do civil
e crime, e órfãos e ausentes.
Nessa
situação o encontrou a organização politica daquele Estado, que na sua
Constituição de 12 de junho de 1892 prescreve no Art.133: continuam garantidos
em sua plenitude o direito de vitaliciedade dos magistrados, professores
primários e secundários e serventuários da justiça, além dos casos do Art. 72”.
Em 1905 da a Constituição de 1892 reforma, e pelo Art. 76, se o bem público
exigisse, foi facultado desanexar o cartório e dividi-lo. Em virtude dessa
faculdade concedida pela reforma Constitucional, a Assembleia Legislativa pela
lei de 25 de agosto de 1905 desmembrou da serventia vitalícia do concorrente,
os ofícios de órfãos e ausentes e criou um 2º oficio de tabelionato, privando-o
desse oficio de órfãos e ausentes, em cuja investidura estava desde 1874, garantida
em plenitude pela Constituição de 1892.
Ao
ser promulgado o decreto de 25 de agosto de 1905, que, entre outras disposições
referentes aos ofícios de justiça, dispõe expressamente sobre a desanexação dos
ofícios de órfãos e ausentes servido pelo recorrente, este fez um protesto
judicial, em forma legal, no intuito de assegurar os seus direitos e ação.
Passados dois anos, em 1907, propôs contra o Governo do Estado a presente ação
para que se declarasse inconstitucional o decreto de agosto de 1895, alegando
em sua inicial atenta ele contra o preceito do Art. da Constituição da
Republica.
Pelo
seu procurador fiscal o Estado contesta o pedido fundado na doutrina do decreto
deste Supremo Tribunal de 27 de outubro de 1900 cujo dispositivo enuncia a
doutrina “que cargos públicos criados por necessidade ou utilidade pública e
não no interesse particular para uso e gozo de quem nestes é provido, podem ser
suprimidos por quem o instituiu desde que cesse o interesse público que exigir
a sua criação ou aconselham essa permanência”. Conclui, pois, a Procuradoria
Fiscal, com a autoridade do decreto acima, que na espécie a desanexação dos
ofícios em cuja serventia se achava o recorrente obedeceu ao interesse público,
agindo os poderes do Estado dentro da esfera de ação.
Contesta
o recorrente este argumento acentuando que a reforma da Constituição visou
exclusivamente desincompatibilizar o Governador para a sua reeleição e o
Decreto de agosto de 1905 aparelhar os elementos de vitória, com o sacrifício
de interesses de funcionários públicos garantidos por lei, satisfazendo não o
bem público, senão interesses subalternos de uma facção politica, que por esses
e outros processos inconcebíveis pretendia se perpetuar na dominação do Estado.
Em
1ª e 2ª instancia decaiu o recorrente da ação, e em tempo hábil interpôs o
presente recurso extraordinário. Ouvido o Sr. Ministro Procurador Geral opinou
que a espécie é de recurso.
Concluiu
o relatório, com ele concordaram os revisores Srs. Ministros Pedro Lessa e
Canuto Saraiva voltando, em seguida, a usar a palavra o Sr. Relator para
proferir seu voto que assim fundamentou:
Preliminarmente – Desde a petição
inicial o recorrente colocou o decreto legislativo estadual nº 808 de 1905, em
face do Art. 11, & 3º , da Constituição da Republica e deduziu a sua
inconstitucionalidade porque na sua aplicação decorre a derrogação do principio
da inalterabilidade das leis. Funda-se, pois, o peticionário em disposição
expressa da Constituição e por isso a espécie é de recurso extraordinário.
De interesse - É função do
legislativo cearense (art. 29 da Constituição Estadual criar e organizar os
serviços públicos, regular a organização judiciaria e a forma do processo.
Deste
ponto de vista nada há de inconstitucional no decreto increpado, porque aos
estados incumbe, pelos seus órgãos competentes, organizar e suprimir os
serviços que em virtude de preceito constitucional lhes foram confundir.
Adaptando em parte o decreto de 28 de abril de 1885 e percorrendo o artigo 1º
da lei impugnada: - “Fica criado o lugar de 2º tabelião do publico judicial e
notas do termo do Limoeiro, etc” e artigo 2º: “Ficam anexado ao citado oficio
privativamente os de órfãos ausentes e resíduos” procedeu o legislativo
estadual dentro de sua esfera constitucional, porque aos Estados não é vedado
organizar, reorganizar, criar e suprimir funções correspondentes a serviços que
em virtude da Constituição passaram para a sua economia.
Essa
liberdade de ação, consultando o interesse coletivo de cada Estado é da
essência mesma do regime, visto que ao poder publico do Estado cabe
privativamente a prerrogativa de conhecer da utilidade publica dos serviços a
seu cargo, no intuito de desdobra-la ou criar novos.
A
lei, pois, em si mesma – em sua origem e em seu objeto – não é
inconstitucional.
Mas,
a questão tem uma outra face jurídica – qual a que diz respeito ao efeito dessa
lei em relação aqueles funcionários que, sob o domínio da Constituição
reformada e leis anteriores, exerciam funções vitalícias de notariado as
questão estarão anexas outras funções judiciais, como na espécie, as de
escrivão de órfãos ausentes e resíduos – O ato do Governo mandando por em
concurso e provendo a serventia vitalícia de órfãos e ausentes, que em virtude
da Constituição revista estava vitaliciamente anexo ao notariado do recorrente,
evidentemente infringe o preceito do artigo 11, paragrafo 3º da Constituição da
Republica, por quanto empresta a sua lei nº 808 caráter retroativo, que por sua
natureza ela não tem. A lei é pois constitucional, mas, o ato do Governo que
nela se funda é inconstitucional.
Se
o interesse público exige a pronta execução da lei nova, o respeito ao direito
adquirido, a sombra de preceitos constitucionais, também é condição visceral da
ordem social.
É
corrente que o exercício da função publica, as suas relações com os órgãos do
aparelho governamental, a fiel exação daquilo que a lei comete a cada
funcionário na ordem hierárquica é do domínio do direito republicano
administrativo, e numa esfera cabe ao poder público, pelo órgão da sua
administração agir livremente, sem interferência do judiciário. Mas, as
vantagens materiais decorrentes do exercício da função, porque incorporam-se no
patrimônio privado de cada funcionário, estar sob o domínio do direito privado,
e debaixo, em espécie, da jurisdição privativa do judiciário.
Se
em relação ao exercício da função instituída no interesse social não há
direitos adquiridos e a lei retira impunemente, no intuito de atender o bem
publico, entretanto no que se diz as vantagens materiais, em cujo uso e gozo
estão os funcionários públicos, porque são elas regidos pelos princípios e
preconceitos do direito privado, existem direitos adquiridos que não podem ser
atingidos pela lei nova, sem manifesta infração do art. 11, & 3º da Constituição da Republica.
Desde
juiz de um tribunal local sempre entendi que quaisquer que sejam as reformas
politicas ou administrativas, devem sempre resguardar as condições materiais
dos funcionários por eles alcançadas. Só assim poderá ser contida a tendência sempre
crescente do arbítrio e dos caprichos dos dirigentes. Esta doutrina, para muitos
opinativos e no campo representativo, não logrou ainda ser sagrada em
disposição expressa da lei, senão no Estado do Rio Grande do Sul, cujo
legislador constituinte não se apavorou de aparelho com outras garantias, aboli
a distinção de empregados do quadro para os efeitos das vantagens materiais e
em seguida declarar no art. 71, & 3º da Constituição daquele Estado que
“nenhuma lei terá efeito retroativo, sendo, portanto, resguardadas as condições
materiais dos funcionários públicos que as reformas administrativas ou
politicas afetarem”.
Amparados
por esse preceito Constitucional, que contem os apetites caprichosos das
reformas ad hoc com intuitos
pessoais, os dirigentes daquele Estado cada vez mais identificam com os
interesses da coletividade e o funcionalismo público não vive preocupado com as
incertezas do seu futuro.
Se
ao recorrente não assiste ao direito de pedir a declaração de
inconstitucionalidade da lei cearense, in
abstractum, que reorganizou o serviço de justiça do Estado, criando funções
novas, suprimindo e desanexando outras, senão na parte que lhe afeta, lhe é
licito, entretanto, apelar para o judiciário, no sentido de lhe assegurar as
vantagens materiais decorrentes da função vitalícia, que exercia na vigência e
sob o domínio da lei anterior, porque elas estão incorporadas no seu patrimônio
privado.
Mas,
argumentar-se-á que essa não é subvencionada pelo Estado, senão remunerada
pelas partes na razão dos atos de oficio
por ventura praticado e de acordo com o respectivo regimento de custos.
Como
assegurar-se suas vantagens, qual o meio pratico de garantir o judiciário esse
direito adquirido de maneira patrimonial?
Taxando,
classificando todos os atos de serventia nos respectivos regimentos de custas,
obrigando os interessados a esse pagamento, prescrevendo a forma executiva para
o pagamento por via judiciária, e impondo penas aos serventuários si se
excederem das taxas regimentais, o Estado lhes assegura remuneração e vantagens
materiais por todos os atos do oficio que praticarem, e impõe aos interessados
a obrigação do respectivo pagamento. É pois, uma obrigação ex-lege, do domínio do direito privado, cuja violação compete
privativamente ao judiciário apreciar.
Privados
por lei de atos dos quais lhes advém vantagens materiais, também por lei
estabelecida, não há negar que o Estado é por elas responsáveis ou de acordo
com as lotações das respectivas serventias para o pagamento dos impostos
devidos por indústria ou profissão, ou de conformidade com o que for apurado em
prévio arbitramento.
Dir-se-á,
porém, que a remuneração é devida pelos atos de oficio que forem prestados, e
não prestados nenhum direito há a remuneração como é corrente. Mas, no caso em
questão há de considerar-se que é o próprio Estado que, por lei, impede à prestação
dos serviços, que não são prestados em obediência também a lei expressa, que
vai ferir uma situação de ordem todo patrimonial, garantida por preceito de lei
anterior e preceito constitucional.
Negando
provimento ao recurso somente na parte referente a anulação de todo o decreto estadual
nº 808, dava-lhe provimento, porém, em relação ao ato do Governo que priva o
recorrente das vantagens materiais de um oficio vitalício, em gozo das quais
estava em virtude de preceito constitucional, para o efeito do Estado, prestava-lhe
as indenizações devidas na forma do direito.
Dada
a palavra o Sr. Ministro Pedro Lessa, esse juiz apreciando a preliminar – se era
ou não caso de recurso extraordinário – opinou pela afirmativa e, de meritis, negou provimento, por isso
que entende que é de competência dos Estados formarem suas justiças, reformarem
os cargos, com as exigências do serviço etc. O direito do concorrente foi
mantido, pois não foi ele exonerado, caso que teria então razão para invocar o remédio
legal.
O
Sr. Ministro Canuto Saraiva, segundo revisor, abundou nas mesmas considerações
do Sr. Ministro Pedro Mibielli, cujo voto adaptou.
Tornou
o Sr. Ministro Lessa ao debate para provar que não se tratava da exoneração do
serventuário, mas, de um desdobramento do seu cartório em dois ofícios, ficando
a ele no primeiro e sendo nomeado um outro para o segundo.
Acha
que se trata de uma questão de ordem pública e que o Estado agiu dentro da lei.
Reafirmou
o Sr. Ministro Mibielli suas considerações, sendo em seguida tomados os votos.
O
Sr. Ministro Amaro Cavalcanti declarou que estava quase convencido de que o
cargo foi dividido para prejudicar ao pobre serventuário, mas, que era forçado
ao reconhecer que o Estado tem o direito de reformar sua justiça e dividir os
cargos, desde que não exonere os empregados vitalícios. Concorda com o Sr. 1º
revisor.
Contra
os votos dos Srs. Ministros Pedro Mibielli e Canuto Saraiva, foi negado
provimento ao recurso, para se manter a decisão recorrida.
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