Jornal Pedro II, 20 de outubro de 1847
Ilmº. e Exmº. Sr. – Esta
câmara, Exmº Sr. , cônscia de sua
dignidade, zelosa dos direitos do seu município, não quer, não deve e não pode
deixar em silencio o mais insólito e inaudito procedimento praticado nesta vila
por ocasião das eleições dos eleitores que tinham de votar em 2 senadores por
esta província pela vaga, que deixaram os Conselheiros Manoel do Nascimento
Castro e Silva e Marquez de Lages, certa como esta de que em V. Excª. deve
achar o maior acolhimento, assim como o remédio, senão a reparar o mal feito,
ao menos a evitar sua repetição, pois, quando pode o exemplo, não precisa
desenvolvimento, se é que V. Excª. quer
eleições, não pretende nomeação de eleitores.
Breve esta câmara, Exm. Sr.
, na exposição dos sucessos ocorridos desde o dia 3 do p. p mês, em que aqui
chegaram o Bacharel Hypolito Cassiano Pamplona, bem conhecido pelo roubo da
urna das Pratas do Aracaty e o outrora comandante do destacamento da cidade de
Sobral, o Alferes Bento Ferreira Marques Brasil, confidentes do 1º
vice-presidente da província o Sr. João Chrisostomo d’Oliveira, porque desde
esse dia trocou-se o susto, o terror, a confusão pelo sossego em S. Bernardo.
Os dias grandes Exmº Sr. tem suas vésperas e por isso o dia 3 de outubro, que
era o dia das eleições nesta vila, o dia
do Sr. Chrisostomo devia ter as suas e assim sucedeu com efeito; porque as
ameaças de prisões, promessas de espancamento, indigitados de surras, não
esquecendo os costumeiros ralhos de recrutamento propalavam-se todos os dias, a
cada hora, a cada momento contra os habitantes deste termo; com mais largueza e
profusão porém contra os moradores desta vila, onde o governo conta com 5
adeptos, incluindo-se neste número 2 velhos septuagenários, nem se omitia contra os diversos empregados e a remoção nos
que não podiam ser demitidos, e bem que depois se retirasse o mencionado Bacharel,
enviado do Sr.João Chrisostomo, nada faltou para consecução do fim atingido;
porque na vila os soldados de 1ª linha, armados de um modo brusco e nunca
visto, munidos de peias na patrona pretenderam sufocar na injuria e no
aviltamento os cidadãos de coragem mais honrados; e na povoação do Limoeiro que
daqui dista 5 léguas antes das eleições também no dia 11 do p. p. mês, seus
habitantes, que, com uma outra exceção, são desafetos ao Governo foram, depois
de cercadas suas casas, injuriados com toda a casta de impropérios, tal como
era de esperar das lições do Sr. João Chrisostomo, mas, com reprovação até dos
homens de bem do lado do Governo.
A guerra, Exmº Sr. , não é
tão incomoda, quando franca e leal, como as desordens sucessivas feitas muito
de propósito em vista a conquista eleitoral, em que o 1º. Vice-presidente e
seus celerados emissários tinham a mira e o mais é que para as de 7 de novembro
é que nos promete maiores fúrias apoiadas em aumento de força!
Avizinhavam-se as eleições e
na razão direta de sua aproximação cresciam os desatinos, por que também se
manifestando ia, apesar de tudo, o firme proposito do povo de preferir a morte
a preterição do seu voto e então reaparecendo o dito Bacharel nesta vila na
ante véspera das eleições redobrou todos esforços fazendo na véspera delas
partir uma escolta de 22 soldados de 1ª linha a encontrar e dispersar os
desafetos, que em nº de mais de 300 concorriam sem armas a dar o seu voto em
quem entendiam o merecer-lhe, tudo sobre o pretexto de trazerem armas, quando
armados em grande número entraram todos os homens do governo, todas as pessoas
reputadas da afeição do Sr. João Chrisostomo, este homem, que tirado do nada se
acha mandando na província, impondo sua vontade em vez da lei e é assim que se
protege a liberdade do voto! Quem tem maioria, Exmº. Sr., não recorre a
violência, repara as vias de fato! Chegou o dia 3 de outubro, o dia das palpitações
e dos remorsos do 1º vice-presidente e também da sua vergonha, uma grande
maioria, conheceu-se logo contra o governo, e este conhecimento produzindo a incerteza
dos bons resultados das violências apresentou um como que armistício sobre as
hostilidades que até então sucediam umas as outras; porque o medo faz às vezes
moderados, muito concorrendo para isso as instancias de alguns proprietários
que tem de permanecer no termo e senão podiam julgar garantidos, como o Sr.
Chrisóstomo contra suas agressões, reinou por algum tempo o silencia e dando-se
começo aos trabalhos eleitorais, constituiu-se a mesa anti-governistas apesar
das tramas deste fingirem doentes ou fazerem desaparecidos alguns eleitores,
formou-se a mesa bem significativa da derrota do governo, porque nela não se
via pessoa, que apoiasse a fraude, fizesse injustiça, nem tivesse a mínima
condescendência; mas, os maus que não são bons por muito tempo, trataram de
acometer a eleição e jogar a ultima carta, o uso da força bruta, certos como
estavam do apoio do Sr. Chrisostomo que até depois disto mandara mais uns 30
facinorosos da cidade do Aracaty para barulhar as eleições e no 3º dia, quando
já se achava a ultimar-se a 1ª chamada pelas 3 horas da tarde de ordem do
alferes comandante da força de 1ª linha, e soldados vindo do Aracaty de
combinação com o Bacharel Hypolito Cassiano Pamplona e mais alguns homens de
sangue os soldados invadiram a igreja Matriz, gritando que não deixavam entrar
senão os que votassem no governo e ameaçando levar a baioneta e espingardear os
adversários, expelindo todas as pessoas que bem lhes apraziam e até o próprio
sacristão foi obrigado a retirar-se depois de por ordem dos soldados fechar uma
das portas de igreja, ficando a frente do restante da força o mencionado
comandante que então dizia em altas e inteligíveis vozes – o alçapão está
armado só faltam caírem dentro – e de sua parte ordenava o 1º emissário do governo
as amazias dos soldados preparassem as trouxas para se embarcarem no sangue que
estava a correr, este 1º emissário é o Sr. Hypolito!!
Em posição tão triste a
todos os homens, que não são do calibre do Sr. vice-presidente, dos seus 2 emissários
e mais alguns outros, maus como eles, como eles sem costumes, tomou o juiz de
paz com 2 membros da mesa a deliberação de não irem a igreja para não caírem no
alçapão do Sr. alferes Bento, e com vistas de evitar o dilúvio de sangue do Sr.
Hypolito e onde se acharam nomeando outros membros da mesa espaçaram os
eleitores até que se retirasse da vila a força do governo, única que provia a
anarquia em vez de sustentar a ordem; porque era impossível ou inútil
designar-se outro dia antes desta retirada, na forma da lei de 19 de agosto de
1846, art. 60, pela existência das mesmas causas, que deviam apresentar os
mesmos oficiais; todo o resto da tarde esteve a vila em agitação, pois só
porque Isaías Francisco de Oliveira aproximou-se da Matriz foi esmurrado pelos
soldados, que faziam sentinela na Igreja e a urna, em quanto nele se faziam as
devidas falsificações, por quanto ainda existindo atualmente as chaves em mãos
de 2 mesários a urna foi aberta e uma apuração se fez das cédulas existentes e
de mais alguns que se receberam sem que outra coisa conste da ata que fizeram.
A noite toda, Exmº. Sr., foi
de agonia, sentinelas em torno da vila, rondas continuas, gritos d’armas foram
os menores atos com que o governo quis em S. Bernardo divertir o povo; porque a
noite um inventado ataque com 2 tiros que se mandou dar de proposito derramou a
consternação por todas as pessoas, que ignoravam a trama e por toda oposição
relampejava então e trovejava pelas ruas o alferes Bento, esbordoavam-se as
portas de traz e de diante das casas em que estavam os desafetos do Sr.
Chrisostomo depois que a uma chamada de campo deixaram de comparecer; porque
nela só traduziam o derramamento do sangue em que o Sr. Hypolito
desconsiderando o comprometimento dos amigos, pretendia embarcar-se para o
Aracaty, a dar contas ao 1º vice-presidente da comissão de que o encarregara, a
contar-lhe a historia de sua conquista em S. Bernardo.
Releva aqui dizer a V. Exc.ª.
que apesar da deliberação da mesa pela intervenção da força e dos facinorosos
do Aracaty pela nenhuma confiança que inspirava a urna, pois que só na manhã do
outro dia quando devia ela estar pejada de listas introduzidas sem formalidades
e ocultamento desamparam os soldados o posto da Matriz apesar do acordam da mesa, tomada na ocasião, em que o povo
espavorido começara a retirar-se sem votar, e pelo misterioso fato de fechar a
porta da igreja, entrando apenas as pessoas do lado do governo, que bem lhes
parecia os dois membros, que faltaram a esta deliberação, arvorados em mesa,
arrogando as atribuições, que só competiam ao seu presidente, aceitando a
presidência de Joaquim Fiuza Maia, juiz de paz do distrito de Jequi, termo da
cidade do Aracaty, nomearam mais dois outros membros e com eles continuaram os
trabalhos, que legalmente haviam sido suspensos, a pretexto de ausência, não só
da parte do juiz de paz presidente como dos outros membros, que se achando no
distrito não podiam nunca ser reputados ausentes, por estarem fora da vila, se
é que ausência se podia dar depois da deliberação da mesa, que esta a envia a V.
Excª. por copia e se falece a mesa, que assim deliberou, autoridade para o
fazer pela falta de dois membros, que não quiseram comparecer de todo se
desvanece a legitimidade do feito por estes dois membros, que receberam do juiz
do Jequi; porque ainda desconsiderados que são unicamente dois membros, com
falta do presidente, que é o regulador dos trabalhos, este juiz de paz do Jequi
não tem autoridade para exercer atos de jurisdição em S. Bernardo; por quanto
não pode ser reputado o juiz de paz do distrito mais vizinho, nos termos do
aviso de 12 de dezembro de 1840 que diz – o juiz de paz do distrito mais
vizinho é sempre um distrito do mesmo termo e Jequi não é do termo de S.
Bernardo é sim do termo da cidade do Aracaty em semelhante hipótese legítimos
seriam os juízes de paz do distrito de Taboleiro d’Areia, porque do distrito
mais vizinho a esta, é estes e nem se quer foram procurados, estando entretanto
eles dentro da vila.
Esta câmara, pois levam
todas estas considerações ao conhecimento de V. Excª. não só para fazer retirar
a força aqui destacada, como para dignar se marcar outro, em que deve ter lugar
o ato das eleições que se suspenderão.
Deus guarde a V. Excª. Paço
da câmara municipal da vila de S. Bernardo em sessão extraordinária de 11 de
outubro de 1847 – Illmº. e Exmº. Sr. Dr. Frederico Augusto Pamplona 2º vice
presidente desta Província. – João Baptista Ferreira dos Santos, presidente. –
Antônio Nunes Vieira de Pontes, Antônio Manoel da Silva, Antônio José Pinto,
Antônio Xavier Ribeiro, Francisco das Chagas d’Araújo e João de Oliveira Lima.
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