Jornal Pedro II, 23 de janeiro de 1856

 

HORRÍVEL CATÁSTROFE

No dia 28 de dezembro próximo passado por ocasião de se estar uma porção de foguetes – buscapés – em casa do Rvd. Francisco Ribeiro Bessa, na povoação do Limoeiro deste município (S. Bernardo das Russas), aconteceu inflamar-se o foguete que se estava socando, comunicar o incêndio a um alguidar de massa preparada e depois a um enorme volume de pólvora depositado em um barril que se achava na casa e ocasionar assim uma explosão terrível que soando com pavoroso estampido, em distancia talvez maior de ½ légua em circunferência, arrombou o telhado, quebrou dobradiças, escalou portões e atirou as portas ao meio da rua, fazendo mortalmente a duas pessoas das mais notáveis que estavam presentes, a saber: Sr. João Ennes da Silva (o mesmo estava socando o foguete) e a jovem e virtuosa esposa do Sr. Arlindo Ribeiro Bessa, filho do nosso amigo o Cel. Bessa.

O primeiro, ou fosse por si mesmo, ou por ter sido impelido pela força da explosão, como é mais natural, achou-se de repente dentro de um quarto, ardendo em chamas e teve a coragem e presença de espirito de dar ainda alguns passos até a porta da rua, já estando com as feições inteiramente contraídas e desfiguradas, a pele negra e franzida, só lhe restando de todo o seu fato o colarinho em que se viam ainda luzir as últimas chamas do incêndio.

No dia seguinte e creio antes de se completar 24 horas, o Sr. João Ennes estava na eternidade. Preparou-se para a morte, recebendo os sacramentos e procurando no meio dos seus aflitivos padecimentos, as consolações espirituais da igreja; Deus o assistia, infundindo-lhe essa resignação evangélica, que, única pode fortalecer o homem em tão amargurados momentos.

O Sr. João Ennes era pessoa notável; ocupando por vezes, emprego de eleição popular, e em politica foi sempre fiel aos princípios do partido ordeiro da província; e se não teve uma vida exemplar, ao menos em sua morte apresentou o heroísmo do cristão. Em paz descanse sua alma, na graça e na luz do Senhor!

A moça sofreu menos da força e violência da explosão, do que das chamas que se lhe apoderaram das roupas, obrigando-a a acudir com as mãos e a aumentar cada vez mais o estrago, bem longe de diminuí-lo. Ela pode ainda correr para fora, como que em busca de socorro; mas, infelizmente quando se acudiu, quando se pode apagar o incêndio, já o estrago estava feito, já o fogo tinha lavrado uma grande parte do corpo, deixando-a quase sem esperança de vida; com tudo, como estivesse adiantada em gravidez, deu a luz a criança, ainda em estado de ser batizada e sentiu uma melhora considerável; até engravescendo mais e mais o seu estado morboso, deu a alma ao criador, no dia 1º deste mês e deste ano, depois de se haver fortalecida com a recepção dos sacramentos e piedosas consolações da Santa igreja. Deus que lhe deu as necessárias disposições para resistir a tão terríveis provas, não deixara de conceder-lhe a coroa da glória, que merecem suas virtudes e acerbíssimos padecimentos.

Entre as demais pessoas que se achavam presentes saíram algumas queimadas levemente e quase todas pelas diligências que faziam em apagar o fogo. Conta-se, porém, que algumas acharam-se na rua, impelidas pela força da explosão e sem que sofressem lesão alguma; e assim também que uma escravinha que ajudava no serviço dos foguetes, apenas ficou levemente queimada, apesar de se achar junto da massa de fogo. É o que me informaram.

É também para admirar que não havendo na ocasião a menor partícula de fogo e sendo o soquete de madeira, tivesse lugar à explosão que falamos. É de supor que alguns fragmentos da granada, mal moída, frisando-se uns aos outros pelo continuo movimento do soquete, feriram fogo no vão da taboca e ocasionaram o incêndio do foguete.

Finalmente, o que é certo é que uma terrível catástrofe infectou a povoação do Limoeiro, no tempo em que seus habitantes se preparavam para os prazeres e doçuras da festa, derramando a consternação e a dor no seio das famílias e causando muitos outros estragos que seria longo enumerar.

Quanto ao dono da casa, o Rvd. Francisco Ribeiro Bessa foi ele demasiadamente feliz em se achar ausente, no momento de explosão. Além do susto porque passou e da profunda mágoa que lhe causou a morte de seu amigo e de sua prezada sobrinha, teve ele não pequeno prejuízo, perdendo toda a roupa de seu uso e a maior parte dos utensílios da casa. Receba ele de minha parte os devidos pêsames por tão triste inopinado acontecimento.

Por aqui nada mais ocorre de novo. O estado sanitário é pouco lisonjeiro, porém, não tem apresentado grande alteração. Receio se a invasão da cólera, apesar mesmo de confiar no remédio do limão, ultimamente descoberto; e com muita razão se deve temer por aqui, ainda que o tal remédio fosse infalível; pois seria mais fácil aniquilar-se toda população debaixo de azorrague negro da cólera, do que apurar-se em todos os limoeiros do município uma garrafa de sumo de limão.

Se hoje as primeiras vistas de um governo ilustrado devem ser: obstar a invasão do cólera, nos lugares em que ele ainda não existe; e atenuar a sua força, nos lugares em que ele grassa, é claro que o nosso governo sabia e providente como é, deve mandar preparar esse grande remédio, mandando vir do Pará, e de outros lugares aonde há com abundancia, a fim de enviá-lo aos lugares da província em que houver falta dele, apenas se manifesta o mal. Assim se praticou com sabugo, cordeais e etc, no tempo em que grassou a febre amarela. Devemos confiar muito na providencia e depois dela nos esforços do Governo.

Adeus, meu amigo, até outro vez.

S. Bernardo, 3 de janeiro de 1856.

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